Como anda o investidor não residente?
Nos últimos meses o mercado brasileiro assistiu uma vultuosa saída de recursos daquele investidor não residente (estrangeiro), o que tem ligado um alerta nos participantes do…
Nos últimos meses o mercado brasileiro assistiu uma vultuosa saída de recursos daquele investidor não residente (estrangeiro), o que tem ligado um alerta nos participantes do bull market brasileiro.
Neste artigo vamos olhar algumas variáveis que podem explicar esse fenômeno, além de fazer uma autópsia desse movimento, tentando entender de qual país ou países estão ocorrendo essas saídas e como está mudando a composição da carteira dos investidores estrangeiros no Brasil.
Algumas causas: menor juro e bom momento da bolsa americana
Como esperado, os gestores e demais investidores estão o tempo todo comparando ativos, rendimentos, riscos e situação de países na busca da melhor oportunidade. Independente da melhora da situação econômica do Brasil, com expectativas de crescimento à frente, recuperação (ainda que lenta) no mercado de trabalho, inflação controlada e reformas sendo aprovadas, há de se levar em conta o bom momento da maior economia do planeta.
Com um dos períodos mais longos de crescimento ininterruptos, com a taxa de desemprego nas mínimas históricas, os Estados Unidos hoje são uma fonte interessante para rendimento dos investidores estrangeiros, mesmo ao considerar 2020, ano eleitoral.
Comparando diretamente com o Brasil, cabe notar que um dos “atrativos” do nosso país não existe mais: as elevadas taxas de juros. A implicação imediata disso é que o diferencial de juros, ou o prêmio de risco, quando comparado os dois países diminuiu.
Abaixo temos uma comparação simples entre taxas de juros básicas (Selic x Fed funds rate) apenas a título de ilustração, mas é possível ver essa relação diminuindo em uma infinidade de curvas de juros e métodos de cálculo (juros reais e colocando alguns custos, por exemplo).
Enquanto o juro americano estava muito próximo de zero, com forte expansão monetária (Quantitative Easing – QE) e o juro brasileiro passava de dois dígitos, era extremamente interessante para o estrangeiro diversificar o portifólio colocando ativos brasileiros na carteira, ainda que apresentássemos elevados riscos da época (recessão, crise política e etc).
Outro ponto importante de se destacar são os recordes atingidos pelo S&P500, fato comemorado frequentemente pelo presidente Donald Trump em seu twitter. Se você acha que a bolsa brasileira tem apresentando bons retornos desde o ano passado com a aceleração do bull market, cabe olhar o desempenho da bolsa americana.
Desde o começo de 2019, enquanto a bolsa brasileira acumulou retorno na casa dos 25%, a bolsa americana já está com quase 35% de ganho acumulado, o que “desbalanceia” o jogo para o lado dos estrangeiros.
O fato se torna ainda mais importante quando lembramos que a bolsa brasileira tem um histórico de volatilidade muito maior do que a dos americanos, fato que é levado em qualquer decisão de investimentos. Se consideramos um índice Sharpe, temos quase o dobro para o caso americano.
As incertezas dos mercados globais, com desaceleração importante de alguns países, e mais recentemente a situação do vírus na China podem explicar a saída de capital de países como o Brasil, ainda que nosso nível de risco tenha recuado muito.
Investidor não residente: carteiras concentradas
O leitor certamente percebeu o destaque dado apenas ao caso americano e explicitamente ao mercado de juro e o retorno de um dos principais índices daquele mercado. Isso é especialmente relevante pelos seguintes motivos:Olhando a composição da carteira dos investidores não-residentes informadas mensalmente pela CVM é possível ver (assim como esperado) a dominância dos Estados Unidos em relação ao total. Oscilando em torno dos 50%, os americanos praticamente ditam o movimento do que acontece com os investidores estrangeiros aqui, fato óbvio por tratar-se do maior mercado do mundo e que estava com uma torneira de liquidez escancarada.
Não menos importante, temos Luxemburgo e o Reino Unido no topo da lista, sendo que o critério para ter esse destaque é ter ao menos 9% do total da carteira. Os demais (quase 30%) estão pulverizados em uma coleção de países, que individualmente chegam a no máximo ou 1 ou 2% do total da carteira.
Olhando agora a composição dessa carteira não-residente em termos de ativos, é fácil verificar para onde o apetite desses investidores está indo. Em média, mais de 40% no mercado acionário brasileiro, seguido por cerca de 17% em contratos futuros de juros e 20% em títulos públicos federais, ficando o resto para diversas outras formas de investimento como cotas de fundos, moedas, opções, ouro e etc.
Dito isso, agora que o leitor sabe quem são os países dominantes na carteira e em que eles investem, cabe dar cara ao número da saída de recursos.
Entre julho de 2016 e dezembro de 2019, acumulamos R$ 256 bilhões em termos reais de saída de recursos do país, com destaque para o segundo semestre do ano passado (desde agosto), período em que a saída acumulada chegou a R$ 90 bilhões.
Se olharmos diretamente os dados da B3, é possível ver que no caso específico da bolsa brasileira, considerando 2018 e 2019, o fluxo líquido de recursos de estrangeiros foi uma saída de R$ 55 bilhões, conforme abaixo:
Por fim, cabe destacar que o que tem segurado os nossos mercados é o crescente número de investidores residentes, com o número de CPFs cadastrados na bolsa saltando de 813 mil em 2018 para incríveis 1,830 milhões de pessoas, mais do que o dobro em um ano.
O protagonismo doméstico chama atenção, sendo o responsável pelo retorno do Ibovespa para mais de 30% no último ano. Se conquistamos essa performance mesmo com a saída dos estrangeiros, pense só nas oportunidades quando eles começarem a voltar.
Conclusão
O leitor certamente percebeu que o movimento de saída de recursos por parte de investidores não residentes não é exclusivo do final de 2019, embora mereça maior destaque. Isso implica dizer que essa saída não foi suficiente para inverter ou atrapalhar o bom momento da bolsa brasileira, iniciada desde ao menos 2017.
É difícil assegurar que todo esse recurso voltará ao país, visto que o diferencial de juros não deve aumentar muito nos próximos meses, mas talvez um novo aumento de liquidez global possa colaborar nesse sentido.
Em relação especificamente à bolsa, o caso brasileiro parece mais promissor do que o estrangeiro: enquanto a europa desacelera e os americanos já estão próximos (ou já estão) no seu limite de crescimento, o Brasil tem todo um gap para ocupar em termos de atividade econômica, resultados de empresa, e etc, o que deverá impactar positivamente no desempenho do nosso mercado (aumentando sua atratividade).
Somado a isso, cabe destacar que estamos em um dos mais baixos níveis de risco (veja o nosso CDS), o que contribui para a redução desse fluxo negativo do país. A saída do estrangeiro não atrapalhou o bom momento da bolsa, mas a sua volta certamente ajudará.