A volta ao mundo em juros negativos
Desde a crise internacional de 2008 o mundo não foi mais o mesmo. Você pode ter sentido isso em maior ou menor intensidade, mas aconteceu uma…
Desde a crise internacional de 2008 o mundo não foi mais o mesmo. Você pode ter sentido isso em maior ou menor intensidade, mas aconteceu uma hecatombe no sistema financeiro global que ainda levaremos alguns bons anos para digerir.
Desde aquele evento, estamos assistindo a episódios inéditos na política monetária ao redor de todo globo, com Bancos Centrais praticando taxas de juros tão baixas que em alguns casos temos taxas de juros negativas. Sim, negativas. É praticamente uma doação de dinheiro.
Como chegamos até aqui
Isso aconteceu, novamente, pois os mercados estão preocupados com a economia global. Sim, a atividade econômica está desacelerando, sobretudo no velho continente, situação confirmada por diversos indicadores antecedentes que o mercado costuma analisar.
Desde a crise de 2008 e também a crise europeia de 2011, a atividade econômica global se viciou em juros baixos e nos chamados Quantitative Easing (QE), que vieram para hipertrofiar a economia, mas que também tem seus limites. Aliás, juros negativos e QE é uma forma de fazer o dinheiro rodar, pois os investidores financiam o governo e recebem o dinheiro “de volta” por meio dos estímulos.
Tenha em mente, sempre que escutar o termo QE, trata-se do Banco Central colocando uma dose mensal de dinheiro na economia, por meio de instrumentos financeiros, buscando o estímulo da atividade.
Talvez o leitor não saiba, ou não se lembre, mas o mundo desenvolvido (com destaque para a Europa, Estados Unidos e Japão) passaram por um período complicado de baixo nível de inflação e até mesmo casos de deflação, com o resultado muito abaixo daquele estabelecido como meta (ainda que informal) pelos seus Bancos Centrais.
Olhando como exemplo apenas o caso europeu (não se resume apenas ai), a partir de 2011 a inflação ficou perigosamente rondando próximo dos 0%, com alguns períodos de deflação em sua taxa acumulada em doze meses, como mostra a figura abaixo.
Como forma de evitar essa situação, que sinalizava o cenário recessivo, os bancos centrais lançaram mão dessas armas para tentar retardar a situação adversa da economia, unindo juros reais negativos com uma bateria de estímulos monetários.
Para que se tenha noção, até maio de 2019, o volume de dinheiro injetado na economia da Zona do Euro pelo Banco Central Europeu no programa do governo já ultrapassou os 2 trilhões de euros.
O leitor deve saber, mas há uma certa ideia de que juros baixos e estímulos monetários poderiam reviver economia em desaceleração ou em recessões, além de abrir espaço para a aceleração da inflação.
Após acreditarem que os programas de estímulo tinham chegado ao seu limite, os Bancos Centrais começaram o processo de redução dessas políticas, com elevação das taxas de juro no caso americano e redução desse volume gigantesco de dinheiro que era injetado na economia no caso americano e europeu.
Vindo para os dias atuais, essa mudança de rumo nas políticas monetárias dos bancos centrais, que passaram anos viciando o mercado com suas doses de estímulo, somado às preocupações geopolíticas, inflação persistentemente baixa e outros fatores, criaram uma expectativa de menor crescimento global nos próximos anos.
Você já leu aqui que há inclusive discussões de possível recessão nos Estados Unidos.
Tudo isso tem elevado a incerteza no mundo, o que pode ser verificado na figura abaixo.
Os investidores não são bobos, sentem o cheiro de sangue no ar, e começaram uma corrida para ativos mais seguros, como alguns títulos do governo ou ativos como ouro. Eles sabem que se a economia desacelera ou começa a emitir alertas de que vai desacelerar, há um incentivo por parte das instituições em voltar a mexer na política monetária de modo a estimular essa economia que fraqueja.
A atividade economia nos países desenvolvidos está desacelerando, com indicadores importantes como Purchasing Managers Index (PMI), que explicarei em outra oportunidade e que antecipam o ritmo da atividade economia, começando a recuar nos últimos meses, além das revisões para baixo do crescimento econômico global feitas pelo Banco Mundial, FMI e OCDE.
Diante desse novo cenário, o Banco Central Europeu (BCE) já começou a sinalizar para possíveis cortes no juro e até revitalização dos QEs, fazendo com que analistas ao redor do mundo já começassem a apostar em novas rodadas de estímulo ainda em setembro desse ano.
A situação não para por aí. O presidente Trump está jogando lenha nessa fogueira com vários tweets direcionados para o Jerome Powell, atual presidente do Fed (Banco Central americano), para atuar de forma parecida aos europeus para que o país não fique em desvantagem.
Não é por acaso que já começam a precificar novos cortes nos juros por lá. Você pode acompanhar as apostas por aqui.
A taxa hoje é de 2,5%, mas já há grande probabilidade (superior a 70%) do Fed reduzir essa taxa já agora em 31 de julho.
Os juros negativos
Um dos efeitos dessa aposta de forte desaceleração global e aumento da procura por esses ativos foi a redução dos juros mais longos para o patamar negativo, ou seja, os investidores estão dispostos a receber menos do que pagaram, se segurarem o ativo até o vencimento. Eles estão antecipando uma mudança global na política monetária em direção a taxas de juros mais baixas e afrouxamento das condições financeiras.
Não percebeu que as bolsas estão subindo nos últimos dias? Pois é, essa expectativa de novos anabolizantes vindos da política monetária ajudaram o mercado acionário.
O mercado de juros compete com o mercado de investimentos físicos e o setor empresarial passa seus dias avaliando em qual dos dois conseguirá melhor rentabilidade. Se o juro está tão baixo, talvez pode valer mais a pena algum investimento na empresa, como expansões etc.
Pois é, mas essa situação toda não é de hoje. O mundo tem praticamente US$ 12 trilhões de títulos corporativos e governamentais com rendimento negativo, com destaque para os altos volumes na Europa e no Japão (aqui um caso bem mais antigo). Para ser mais específico, praticamente metade dos títulos europeus estão com juros negativos (algo como US$ 5 trilhões).
Para dar um pouco mais de noção para a situação, abaixo temos a relação de títulos com rendimento negativo em alguns países.
Por sua vez, as curvas de juros também seguem apontando para essa situação de juros negativos, conforme a figura abaixo com alguns países selecionados. A maior parte dos países mostrando os juros negativos para quase todos os períodos da curva até 10 anos, numa clara preocupação por parte do mercado em relação a atividade econômica desses países nos próximos períodos.
Por que alguém investiria em ativos com juros negativos?
É difícil imaginar o motivo que levaria os investidores a comprar um ativo que não só não vai trazer rendimento como também diminuir o montante investido. Podemos colocar algumas explicações mais plausíveis, mas ainda fica bastante distante do que o brasileiro convive no dia a dia.
O primeiro motivo é buscar a diversificação a carteira, ainda que isso pareça improvável. O segundo motivo seria estatutos e regras que praticamente obrigam alguns tipos de investidores, como fundos por exemplo, a comprar alguns ativos com certas características e prazos, e que muitas vezes são possíveis apenas nesses “bonds”, independente do juro ser negativo ou positivo.
O terceiro motivo seria a busca por uma valorização no preço desses títulos, visto que os programas de compras de títulos por parte dos governos (QEs e etc) tendem a impactar no preço desses ativos e muitas vezes por um período longo, abrindo oportunidade de negócios por parte dos investidores.
Em suma, os motivos podem ser os mais variados e estranhos possíveis, dependendo da carteira, do objetivo, do porte e do perfil de cada tipo de investidor. Nós brasileiros simplesmente não estamos acostumados a isso.
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E o Brasil com isso?
O Brasil não passa impune nesse cenário, visto que num mercado global onde os ativos os competem entre si, o país sempre foi bom pagador de juros. Com um percentual tão grande de ativos de renda fixa rendendo abaixo de zero, a "busca por rendimento" (ou search for yield) poderá se intensificar.
Com uma reforma aprovada e uma estabilização da economia, o país será mais do que nunca um grande atrativo para esse volume enorme de dinheiro que está dormindo em juros negativos e que estão com sedentos por algum ativo mais seguro e rentável.
Dentre os efeitos que poderemos assistir, devemos destacar: maior liquidez, ainda mais valorização dos ativos, sobretudo os índices, apreciação da moeda e juros permanecendo por um patamar baixo por mais tempo do que prevíamos antes.
Obviamente os efeitos para o país não são apenas positivos pois o fato causador dessa situação de juros negativos é a desaceleração global, o que gera impactos negativos para a atividade econômica brasileira.
O crescimento brasileiro sente esse resultado e os resultados das empresas também, mas não deve ser suficiente para frear ou reverter o atual estado de bull market.
Conclusão
Os juros negativos são e continuarão sendo um dos grandes desafios da nossa geração, pois estamos quase reinventando a política monetária e os reais efeitos ainda estão muito obscuros e incertos.
De fato, ainda deve demorar alguns anos, até décadas, para os economistas conseguirem entender melhor o movimento atual de desaceleração global e a política monetária.
Quais os efeitos reais desses juros negativos na sociedade? Foram efetivos para estimular a atividade econômica? Como fazer a transição para uma situação de juros normais?
São todas perguntas em que as pessoas estão se debruçando, tanto no mundo acadêmico, quanto no mercado financeiro, com grandes investidores tentando entender essa complexa situação no meio do fogo cruzado e tomar a melhor decisão, dado todas as limitações do nosso conhecimento.
Os riscos para a economia global ainda são bastante nebulosos, lidando apenas no campo das especulações e hipóteses, mas esse é um assunto que ainda irá render muito nos próximos anos.
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