Mercado Financeiro

Preço e Valor não são a mesma coisa! Entenda a diferença

Enquanto as ações estão subindo, ninguém presta muita atenção para essa frase. Mas, basta uma chacoalhada de fora, seja ela China ou Argentina, para que os velhos…

Data de publicação:09/09/2019 às 07:05 - Atualizado 4 anos atrás
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Enquanto as ações estão subindo, ninguém presta muita atenção para essa frase. Mas, basta uma chacoalhada de fora, seja ela China ou Argentina, para que os velhos conceitos de finanças “viralizem”.

De repente, começam a circular vídeos de um senhor de idade de Omaha falando: “Preço é o que você paga.  Valor é o que você leva.” Alguém sabe exatamente o que isso quer dizer?

Antes de seguir em frente, vale a pena conferir o que é o “Value Investing”, conceito que diz que o preço das ações reflete os seus fundamentos no longo prazo, mesmo que ele esteja “errado” no curto prazo.

Colocá-lo em prática é, basicamente, encontrar uma empresa “barata”, comprar e esperar até que essa diferença entre preço e valor desapareça para embolsar os ganhos.

O problema é como fazer isso. A maioria perde a paciência, por uma série de fatores que vão desde nossas limitações humanas até a total falta de conhecimento sobre esse mercado.

Assim, voltando ao que diz o titulo desse artigo, vamos aos elementos que definem valor, preço e como avaliar uma empresa.

Preço e valor: saiba o que determina valor

Ativos

Nos setores mais tradicionais da economia, o que determina o valor de uma empresa é a soma dos ativos que ela possui. São imóveis, frotas, maquinário e tudo que esteja relacionado com o seu modelo de gestão.

O mesmo se aplica às empresas cujos maiores ativos são intangíveis, como uma marca forte ou uma tecnologia predominante, ou a um produto financeiro, como um fundo imobiliário, por exemplo.

Resumindo, valor é todo o patrimônio depois de descontadas as dívidas. No jargão do mercado financeiro, é o que chamamos de valor patrimonial.

Gestão

Em relação à gestão, algumas perguntas ajudam a entender a dinâmica de uma empresa:

  • Quais suas vantagens frente aos seus concorrentes?
  • Ela possui barreiras de entrada?
  • Quem são e como agem os seus sócios?

São esses, entre outros fatores, que identificam suas forças, fraquezas, as oportunidades e as ameaças, indicando suas chances de crescer de forma consistente no longo prazo.

Flexibilidade

Como as empresas se ajustam aos ciclos econômicos também é um indicador de valor, pois mostra maior adaptabilidade e, portanto, maiores chances de sobrevivência.

Usando uma frase de Warren Buffett, já que estamos falando de algo que ele entende bem:

“O importante não é prever o tempo, mas construir a Arca de Noé.”

O que isso quer dizer é que as empresas que fazem a lição de casa são as mais propícias a comprarem os seus concorrentes quando a crise vem.

Dessa forma, entre as estratégias de uma candidata a se tornar líder de mercado temos:

  • Venda de operações deficitárias;
  • Foco nos negócios mais rentáveis;
  • Gestão de dívida (troca de dívidas mais caras por outras mais baratas);
  • Corte de custos.

Quando a economia se recupera, é justamente essa empresa que mostra os melhores resultados na última linha da demonstração de resultado, aquela que mostra o lucro líquido.

Governança

A falta dela explica porque as empresas estatais, mesmo tendo ótimos ativos, valem menos que as empresas privadas.

Independentemente do setor de atuação, os problemas de gestão são sempre os mesmos: ingerência política e loteamento dos principais cargos entre os partidos políticos.

Um exemplo “clássico” de empresa cujo preço não está atrelado aos seus ativos é a Petrobras.

Ela se valorizou em 2018, justamente em um ano em que as cotações de petróleo, que gera suas receitas, caíram. O motivo dessa “geração de valor”?

  • Maior paridade de preços com o mercado internacional;
  • Venda de negócios menos lucrativos e, consequentemente, menor endividamento.

A reação do mercado com a noticia de que seria privatizada ainda nesse mandato diz muito sobre o quanto a empresa está distante do seu verdadeiro valor.

Enquanto isso não acontece, ela está construindo a sua “arca” para enfrentar a competição no futuro, se desfazendo de gasodutos, refinarias e empresas como BR Distribuidora e Liquigás.

Os valores levantados serão destinados a aquilo que ela já faz bem, que é a exploração de petróleo.

Preço e valor: saiba o que determina o preço?

Dada a estrutura de uma empresa, sua forma de atuação e quão eficiente ela é, são os fatores alheios a ela que definem o preço de sua ação.

Desconsiderando o seu setor de atuação, que possui características próprias, trata-se do ambiente macroeconômico e do seu efeito sobre a percepção dos agentes.

Em relação à economia em si, podemos citar especificamente dois componentes: a taxa de juros e o risco-país, medido pelo CDS (Credit Default Swap). Enquanto a primeira captura a economia real, o segundo mede a atratividade do Brasil em relação a outros países, determinando o seu percentual de alocação nos fundos de investimento globais.

Taxa de juros

A taxa de juros é definida pela política monetária, conduzida em função da atividade econômica e de outras variáveis como nível de câmbio e inflação, por exemplo.

Ela tem um impacto direto no valor das empresas por 2 motivos:

  1. Uma taxa de juros mais alta desestimula a economia, desfavorecendo o mercado de ações;
  2. Por refletir o custo do dinheiro, torna mais caro o serviço da dívida; ou seja, os juros dos financiamentos são maiores.

Risco-país

O CDS, por sua vez, nada mais é do que a diferença entre a taxa de risco de um país e a taxa de um papel do Tesouro norte-americano, referência para o ativo mais seguro do mundo. Dito de outra forma, quanto mais arriscado um país, menor a “qualidade” de seus ativos frente a outras opções no mundo.

Assim, quando o CDS sobe, seja por conta de eleições ou de uma “canetada” do governo, todas as empresas sofrem uma reavaliação de preço, não havendo, em um primeiro momento, qualquer distinção entre uma líder de mercado e uma outra à beira da falência.

O motivo é muito simples: como a líder de mercado possui grande liquidez, ela é a primeira a ser vendida, visto que, nesses casos, não há comprador para a outra, a problemática.

Expectativas

Variável "não matemática" da equação, é onde se concentram os excessos como ganância e medo. O que os agentes esperam em relação ao futuro se reflete nos preços hoje.

O problema das expectativas é que elas não se materializam em um valor absoluto, como a taxa de juros e o CDS. 

Elas são relativas e oscilam em função de um componente bastante subjetivo. Uma sequência de notícias ruins ou até mesmo uma situação crítica que se arrasta por falta de vontade política não poupam nem a empresa "queridinha" dos investidores. 

Preço e valor: quais são os indicadores de uma empresa?

A metodologia mais utilizada pelo mercado financeiro é o fluxo de caixa descontado.

Ela parte de uma série de premissas que uma pessoa leiga é incapaz de avaliar sozinha mas, resumidamente falando, é como se alguém soubesse quanto a empresa vai lucrar nos próximos anos e calculasse esse resultado a valores de hoje.

Isso não impede que outros instrumentos de avaliação de empresas, como os indicadores da análise fundamentalista, sejam utilizados como substitutos pelo investidor comum.

Eles são bastante úteis para identificar, por exemplo, a diferença entre uma empresa que paga altos dividendos porque está em um setor com elevadas barreiras de entrada e outra que paga altos dividendos, mesmo com problemas de gestão.

A empresa que se encaixa no segundo caso tende a apresentar números ruins em mais de um indicador, mostrando que o mercado já colocou nos preços a baixa qualidade daquele ativo.

O importante é que a análise seja feita tanto entre as empresas do mesmo setor (para encontrar as melhores) como também entre um ano e outro (para verificar o desempenho ao longo do tempo).

Conclusão

Em mercados muito líquidos, como o de ações, o preço nem sempre reflete o conjunto de ativos dentro de um modelo de negócios. Isso porque, no curto prazo, o preço pode não estar aderente aos fundamentos da empresa.

Diante desse fato, o investidor não pode se deixar levar pelos altos e baixos do mercado se quiser montar uma carteira de ações de valor. É justamente nos momentos de pânico que os melhores negócios aparecem.

Ao invés de pensar em como o mercado vai abrir amanhã, a avaliação que ele precisa fazer é se manteria os papéis caso a bolsa de valores fechasse por tempo indeterminado.

Portanto, antes de mais nada, é preciso conhecer a companhia. O que ela possui, como trabalha e quem está no comando são determinantes para saber o que ela pode entregar aos seus acionistas no futuro.

Algumas métricas ajudam na hora de garimpar a verdadeira riqueza. Elas fazem parte da análise fundamentalista, onde o investidor olha para além dos números e enxerga os seus diferencias, além de suas perspectivas de crescimento.

Diante dos motivos que explicam a diferença entre preço e valor, fica claro que investir é, mais do que qualquer coisa, exercitar o bom senso porque quem ganha é quem evita os grandes erros.

Experimentar é uma boa forma de começar:  até 10% da carteira, para não tirar o sono de ninguém, ajudam a entender a dinâmica de fatores alheios às empresas, como taxas de juros e CDS, nos preços das ações.

 Agindo dessa forma, qualquer um supera uma das maiores limitações do ser humano:  o “efeito manada”.

Fazer só porque todo mundo está fazendo pode custar bastante caro. Essa frase, de um banqueiro, diz tudo:

 “Se você pudesse vender a sua experiência pelo preço que ela lhe custou, ficaria rico.”

J. P. Morgan
Sobre o autor
Nohad HaratiPossui MBA em Finanças e LLM em Direito do Mercado Financeiro (ambos pelo Insper/SP). É gestora de uma carteira proprietária, além de ser responsável por um Family Office.
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