Por que o risco de apagão é menor que 3%, mesmo com crise hídrica
Infraestrutura do setor está mais robusta e matriz energética está mais diversificada
É bastante improvável que haja um racionamento de energia elétrica, por causa da crise hídrica. O risco de que isso ocorra nos próximos 12 meses é menor que 3%, afirma em relatório a equipe de analistas da XP.
A situação hidrológica brasileira, diante da prolongada falta de chuvas, é considerada preocupante, mas não alarmante. Até porque a situação de adversidade já se estende por alguns anos.
Em junho de 2020, portanto há um ano, os reservatórios do subsistema Sudeste/Centro-Oeste, que representa 70% da capacidade do Sistema de Interligação Nacional (SIN), estavam com 30% de sua capacidade total, o menor nível em 20 anos.
Comparado com 2001, quando o País passou por severa crise hídrica que redundou até em racionamento, o sistema elétrico está mais robusto e o SIN mais preparado para lidar com cenários de estresse, aponta o relatório. O sistema de transmissão cresceu 136% enquanto a demanda aumentou apenas 93%, suavizando as restrições no sistema.
Outra diferença, de acordo com o relatório da XP, está em mudanças na própria matriz energética, que de 83% da capacidade instalada proveniente de fontes hídricas, em 2001, recuou atualmente para 65%, pela adição de fontes térmicas, eólicas e solares ao sistema. Da capacidade adicionada na matriz energética desde 2001 até hoje, 50% foi hidrelétrica, 19% eólica, 27% térmica e 4% solar.
A equipe da XP calcula em 3% a possibilidade de racionamento nos próximos 12 meses. Ainda que os reservatórios atinjam níveis historicamente baixos, como estimam os analistas, existiria capacidade térmica suficiente par se utilizada e atender a demanda.
Os especialistas se dizem preocupados com a situação atual dos reservatórios em relação ao nível de armazenamento no subsistema Sudeste/Centro-Oeste, principalmente porque estamos no início do inverno, a estação mais seca do ano. Mesmo assim, a situação está mais confortável que em 2001 em termos de infraestrutura e diversificação da matriz energética, reforça a equipe de análise da XP.
A crise hídrica atual também é diferente da do apagão de 2001 porque a extensão das linhas de transmissão cresceu 4.4% ao ano, a capacidade de transformação aumentou 4,3%, enquanto a carga de energia teve expansão de apenas 3,3% ao ano, de acordo com o Operador Nacional do Sistema (ONS). Dados que possibilitam à ONS mais flexibilidade de despacho entre diferentes fontes e regiões.
Como ações do setor são afetadas por crise hídrica
Maíra Maldonado, analista de Elétricas da XP, diz que o segmento de geração é o mais afetado pelo cenário hidrológico adverso, especialmente as empresas que têm maior participação hídrica em seu portfólio, por causa da redução de geração de usinas hidrelétricas.
Essa restrição pode levar as geradoras a precisar comprar energia no mercado de curto prazo, para honrar seus contratos, em um momento de preços mais altos. Nos resultados do primeiro trimestre, tanto a Cesp quanto a AES Brasil tiveram, respectivamente, uma redução de 21% e 22% ao ano na produção de energia, evidenciando já o impacto do déficit hídrico em algumas geradoras.
As companhias do segmento de distribuição são afetadas em um segundo estágio da escassez hídrica, em caso de racionamento de energia, que não é o cenário-base previsto pela equipe da XP. O impacto nas receitas das empresas vem da redução dos volumes de energia vendidos.
O segmento menos impactado, avalia Maíra, deve ser o de transmissão, porque suas receitas são totalmente reguladas. Tanto as tarifas como os volume não são vinculados à demanda de energia.
Nesse cenário, no âmbito de cobertura da XP, as geradoras com maior exposição à fonte hídrica são Companhia Energética de São Paulo (CESP6), AES Brasil Energia (AESB3) e Engie Brasil (EGIE3).
Embora espere uma pressão nos resultados de curto prazo das empresas com maior exposição ao risco hídrico, os analistas da XP mantêm a recomendação de compra e preços-alvo de R$ 36/ação para CESP6 e R$ 18/ação para AESB3. Dois são os motivos: baixa visibilidade do risco de se prolongar no longo prazo e risco-retorno atraente nos preços atuais, lembrando que parte do risco de curto prazo parece já ter sido precificado pelo mercado.
A equipe da XP ressalta ainda que os portfólios de ativos hídricos da AES Brasil e da Cesp estão localizados em regiões mais afetadas pelo atual déficit hídrico (Estado de São Paulo). A Engie tem grande parte de seus ativos em bacias hidrográficas da Região Sul, onde as condições hidrológicas estão mais confortáveis.