Economia

O que é o “dólar azul” da Argentina e por que seu preço é tão volátil

Um mercado paralelo da moeda americana é praticado pelo interesse dos argentinos em ter proteção cambial de seu patrimônio

Data de publicação:04/08/2022 às 05:00 - Atualizado 2 anos atrás
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Você já ouviu falar do dólar azul? Esse é um tema que ganhou destaque em 2022, mas na verdade é bem mais antigo no mercado financeiro. Também chamado de "dólar paralelo", esse é o nome de um mercado alternativo praticado na Argentina.

Caso esse tema ainda seja uma novidade e você queira entender melhor as razões pelas quais os argentinos negociam dólares em um mercado paralelo, vamos explicar tudo sobre o dólar azul no artigo de hoje.

Fonte: Envato

O que é o dólar azul?

Para entender o que é o dólar azul, nós precisamos primeiramente voltar um pouco no tempo e compreender o contexto político e econômico da Argentina.

Assim como em outras economias do mundo, é comum que os cidadãos argentinos queiram ter uma proteção cambial em dólar. Estamos falando, afinal, do principal câmbio global e que, especialmente em período de crise ou recessão, tendem a ser uma proteção contra a desvalorização do mercado financeiro como um todo.

Acontece que, desde a década de 2010, o governo argentino vem implementando algumas práticas que visam restringir o acesso da sua população ao dólar americano tradicional. E isso já aconteceu com diferentes presidentes, limitando o poder de compra dessa moeda de maneira individual.

Como os argentinos seguem interessados em comprar dólar acima dos limites legais permitidos pela lei do país, criou-se então um mercado paralelo para a negociação desse câmbio: o dólar azul. Trata-se de um ambiente segmentado, em que não há regulação por parte do governo.

O dólar azul é legalizado?

A resposta para essa pergunta é um pouco mais complexa do que parece inicialmente. Em tese, não, o dólar azul é ilegal. Portanto, ao negociar a moeda no mercado paralelo, você estaria cometendo uma infração contra uma lei federal.

No entanto, podemos dizer que o dólar azul passou da ilegalidade para uma moeda quase que oficial no país. Isso porque, apesar das restrições legais, a moeda é negociada de forma livre nas ruas da Argentina. É comum ver casas de câmbio ou até vendedores individuais gritando por "câmbio" nas ruas locais.

Até mesmo no jornal há uma menção à cotação diária desse câmbio alternativo, o que reforça que a moeda, embora não permitida, já se tornou comum entre os argentinos.

Como funciona a cotação do dólar azul?

Se não é regulado e pertence a um mercado paralelo, como funciona a cotação do dólar azul? Na prática, a dinâmica desse câmbio alternativo é muito similar a diversos outros ativos do mercado financeiro. Isto é, o preço da moeda é definido pela lei da oferta e da demanda.

Importante mencionar que, de forma curiosa, a cotação do dólar azul é maior do que o preço oficial da moeda americana. Os motivos para esse cenário não são difíceis de entender.

Em primeiro lugar, os argentinos querem comprar dólares em um mercado paralelo apenas para driblar as restrições impostas pelo governo federal. Isso leva a um aumento da procura que, naturalmente, eleva a precificação do câmbio. O fato de não ser algo permitido pela lei (e, portanto, ilegal) também acaba gerando uma cotação elevada.

Além disso, a moeda local (peso argentino) vem sofrendo uma forte desvalorização frente ao dólar — desde 2017, a queda foi superior a 80% do seu valor no mercado cambial. Isso se deve a diversos fatores políticos e econômicos como, por exemplo:

  • O aumento da inflação no país, um fenômeno que se intensificou em diversos países e representa uma perda do poder de compra para o consumidor.
  • Os incentivos financeiros dados pelo governo durante a pandemia, elevando de forma acelerada a quantidade de pesos disponíveis na economia — e, consequentemente, levando à desvalorização da moeda.
  • Problemas de pagamento dos títulos de dívida por parte do governo, que já anunciou Default (deixou de pagar a sua dívida) por mais de dez vezes junto aos investidores. Esse cenário traz desconfiança para o país e afasta o investidor estrangeiro.
  • Empresas exportadoras precisam de mais dólares do que o governo autoriza. Neste caso, não resta alternativa que não seja a busca pelo mercado paralelo e a compra do dólar azul, algo que impacta o preço do ativo diretamente.

E para o turista? Como fica o câmbio?

Já para o turista que acessa o mercado do dólar azul, a situação é diferente. Como ao invés de comprar dólar ele vai vender o câmbio americano (após converter a sua moeda), quem viaja para a Argentina acaba sendo beneficiado pela situação na medida em que vai receber mais pesos argentinos do que na cotação normal.

Apenas para que você possa entender isso de forma prática, no dia 22 de julho de 2022, por exemplo, um dólar azul era negociado a 338 pesos nas ruas de Buenos Aires, enquanto que a cotação oficial da moeda estava em 130 pesos. Uma diferença superior a 100%.

E por que o argentino aceita pagar caro para comprar dólares nessas condições? Porque apesar de muito mais caro, ao menos não há qualquer restrição de aquisição, ao contrário do que acontece no mercado oficial. Melhor para o turista que pode receber mais peso no mercado alternativo para aproveitar o seu passeio.

O dólar azul e a crise argentina

O dólar azul é apenas mais um capítulo que marca a polêmica relação entre a economia argentina e a sua população ao longo dos últimos anos. Com um histórico recente problemático, inclusive com a renúncia do Ministro da Economia, o país sofre para equilibrar as contas públicas e os indicadores locais.

Se no Brasil a inflação já vem incomodando na casa de 10% em doze meses, a expectativa é que o indicador supere 60% na Argentina, durante o ano de 2022. Essa perda do poder de compra da população local, somada à desvalorização do peso argentino pelo excesso de liquidez, faz com que a busca por dólares seja ainda maior.

Encontrar uma saída para a economia não será uma tarefa simples ao longo dos próximos anos. De qualquer forma, parece pouco provável que o cenário mude no curto prazo, de modo que o dólar azul seguirá como parte da rotina diária do argentino que busca uma reserva de valor como proteção à instabilidade econômica local.

Sobre o autor
Stéfano BozzaFormado em Administração pela PUC-SP. Trabalhou em empresas do segmento financeiro (Itaú BBA) e varejo (BRMALLS) até 2016, quando iniciou a jornada de produção de conteúdo para a internet com foco em finanças.