Economia

Por que a queda do euro pode beneficiar o Brasil? Entenda

Reforço de parceria comercial no exterior e incremento nos lucros de empresas exportadoras são alguns dos retornos positivos, segundo especialistas

Data de publicação:25/07/2022 às 05:00 - Atualizado 2 anos atrás
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Pela primeira vez em 20 anos, o euro despencou para um ponto de paridade com o dólar há cerca de 10 dias, e desde então vem registrando uma cotação próxima da moeda americana.  Historicamente, a diferença entre as duas moedas era entre 10% e 30% em favor do euro, o que deixou de existir nas últimas semanas.

Na última sexta-feira, 22, a moeda americana estava sendo negociada a R$ 5,46, enquanto o euro estava em US$1,02. Esse movimento levou os investidores brasileiros a se questionarem sobre qual será o impacto que esse tipo de cenário monetário pode ter para a economia brasileira. Segundo especialistas, o País pode se beneficiar dessa fase desafiadora para a moeda europeia.

Queda na cotação do euro pode trazer bons ventos para as empresas exportadoras brasileiras - Foto: Envato

Mas antes de trazer essa resposta, vale entender o pano de fundo do comportamento da moeda europeia.

Assim como o resto do mundo, a Europa – que de joia da coroa passou a ser patinho feio, segundo economistas do mercado - vive um quadro de desaceleração econômica e inflação nas alturas – em junho atingiu nível recorde de 8,6% na comparação anual na Zona do Euro – que reflete, em boa parte, os resquícios da pandemia e a guerra na Ucrânia.

Esta, por sua vez, colocou em xeque o fornecimento de gás natural para o bloco, commodity na qual a região é extremamente dependente do comércio russo.

Migração de investimentos

De acordo com Idean Alves, chefe da mesa de operações e sócio da Ação Brasil Investimentos, diz que a diferença entre as duas moedas de referência global não tem nenhum efeito prático, mas “é um indicador relevante da migração de capital do mercado europeu para outras economias, em especial na busca por ativos de segurança como o dólar, que já valorizou mais de 14% desde o início do ano até agora”.

"Por anos, o euro foi mais caro do que o dólar por diferença de escassez. O dólar tem mais liquidez, é muito mais transacionado, e se desvaloriza por causa disso. O euro apanha por causa de politica monetária".

Marcelo Oliveira, CFA e fundador da Quantzed

Para o fundador da Quantzed, a Europa está pagando o preço de ter ficado para trás em relação ao restante do mundo no que diz respeito ao aperto monetário.

Após o Federal Reserve (Fed, o banco central americano) já ter feito pelo menos dois ajustes em sua taxa básica de juros, o Banco Central Europeu (BCE) anunciou na semana passada a primeira elevação nos juros após 11 anos, de 0,50 ponto porcentual.

“Com a inflação fazendo alta em cima de alta, isso vai deixando o diferencial de juros muito negativo, fazendo com que o dinheiro fuja desses lugares. Os investidores estão começando a buscar ambientes com juros mais altos, como é o caso dos Estados Unidos”, complementa.

Recessão

Alves ressalta que a nuvem da recessão está pairando com força em cima da Europa, podendo o continente ser o primeiro a mostrar uma contração econômica mais acentuada.

João Vitor Patrocinio, especialista em mercado internacional da Blue 3, afirma que um dos pontos que aumenta esse temor diz respeito ao gasoduto que liga a Europa com a Rússia, maior fornecedora da commodity para a região.

“Apesar de ter sido temporária, a interrupção das atividades do gasoduto reforça o medo de que isso possa acontecer de forma permanente, o que aumenta ainda mais o risco no mercado europeu”.

João Vitor Patrocinio, da Blue 3

Na visão de Marcus Labarthe, sócio fundador da GT Capital, o euro não deve se recuperar no curto prazo.

“Pelo fato de a Europa poder entrar em recessão, o mercado está querendo diminuir sua exposição na região, acrescido de uma diminuição do risco. Com isso, vemos o fenômeno de paridade entre o dólar e o euro, mesmo com uma quantidade maior da moeda americana circulando no mundo”.

Marcus Labarthe, da GT Capital

Porém, no médio prazo, Labarthe acredita que esse cenário deve voltar a ser como antes. “Pelo euro ter uma quantidade menor de moeda no mundo, levando em conta a teoria da demanda e da oferta, é normal o euro voltar a ser mais valorizado perante o dólar daqui a algum tempo”.

Já Patrocinio diz que ainda é esse ambiente é imprevisível. “O dólar foi feito por Deus para humilhar os economistas. Tudo vai depender do andamento da política monetária mundial”.

E quais são os efeitos dessa queda para o Brasil?

De acordo com os especialistas entrevistados para a reportagem, na prática, os impactos da queda do euro podem ser positivos para o Brasil. Idean Alves ressalta que haverá uma redução do ágio histórico entre o dólar e o real, pois a moeda americana é a padrão adotada pelos contratos internacionais.

No País, Patrocinio destaca que para a economia brasileira primeiro é feita a paridade do real com o dólar e depois do real com o euro.

“Quando se fala da diferença entre real e euro, deixa de existir um spread cambial consistente, o que é levemente positivo para o Brasil”, destacou Alves.

O especialista da Ação Brasil ressalta que, querendo ou não, o enfraquecimento do euro “representa, em parte, uma perda de força da Europa, desde o Brexit, e agora com a guerra na Ucrânia”.

Ao analisar o real frente ao dólar no ambiente doméstico, Labarthe, da GT Capital, aponta que dificilmente haverá uma queda da moeda americana ante à brasileira.

“Temos que ver que aqui há um ambiente eleitoral e incertezas que vem de fora, o que não deve derrubar o dólar tão cedo, a não ser que apareça um fato relevante que não foi mostrado para o mercado”.

Oliveira, da Quantzed, destaca ainda que os motivos pelos quais o real “está tão comportado” nos últimos tempos.

“O BC brasileiro começou a subir juros antes de todo mundo, diante do nosso histórico de inflação, em um momento no qual o Fed ainda estava mudando o seu discurso. Porém, após projeções de retração econômica para o País, estamos vendo uma atividade mais resiliente que, mesmo com juros altos, consegue entregar um pouco de crescimento e trazer confiança. Com isso, não estamos tendo tanta fuga de capital”.

Marcelo Oliveira, da Quantzed

Parcerias comerciais e setores

O cenário de desvalorização do euro, de acordo com os especialistas, abre espaço para que o Brasil fortaleça cada vez mais outras parcerias comerciais já relevantes para o País, com países como os Estados Unidos, China e alguns países do Pacífico.

Quando essa radiografia afunila para os setores econômicos brasileiros, Patrocinio, da Blue 3, aponta que empresas que têm receita dolarizada “podem ser mais felizes com a queda da moeda americana”.

“São empresas com vocação exportadora que, se tem negociações em dólar, com a valorização da moeda americana acabam faturando mais”, aponta.

Entre eles, o mercado de commodities é o de maior destaque nesses ganhos, principalmente gigantes do setor de mineração, petróleo, celulose, milho e soja. “O fato de o Brasil ter uma forte vocação exportadora de forma geral também acaba pesando a favor de um cenário positivo”.

Sobre as importações, Patrocinio aponta que o impacto não é relevante, já que 70% do que é trazido de fora para o País vem dos Estados Unidos.

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