‘Boom’ das commodities sustenta Bolsa e deve continuar no próximo ano
O mercado de commodities continua em alta, de demanda e preço. Movimento que beneficia diretamente as empresas exportadoras dessas commodities, e que deu sustentação ao Índice…
O mercado de commodities continua em alta, de demanda e preço. Movimento que beneficia diretamente as empresas exportadoras dessas commodities, e que deu sustentação ao Índice Bovespa, que mede a evolução das ações mais negociadas em pregão, nesses primeiros meses do ano.
As cotações do minério de ferro e petróleo subiram 87,6% e 20,6% no primeiro trimestre de 2021, comparadas com um ano atrás. Os preços do minério de ferro e do petróleo do tipo Brent, mais leve e de melhor qualidade que o WTI, seguem em alta iniciada em 2020, trajetória que, segundo especialistas, pode ser mantida e reforçada neste ano.
A cotação do aço saiu de US$ 89 a tonelada no primeiro trimestre de 2020 para US$ 167 em igual período deste ano e o Brent, de R$ 50,8 o barril para US$ 61,30, no mesmo período de comparação.
Essa dupla de commodities não subiu sozinha. Foi acompanhada por outras, como agrícolas, proteína animal, que também se valorizaram, em meio à pandemia, puxadas pelo aumento de demanda global. Sobretudo no período mais recente, com expectativas renovadas de retomada da atividade econômica, especialmente da China e dos Estados Unidos.
O desempenho do setor dá continuidade ao vigoroso movimento de vendas de commodities pelo País em 2020.
Exportações de commodities foram recordes de 2020
Em ambiente de crise de pandemia, ainda sem vacinação contra o coronavírus, o País teve recordes históricos de venda ao exterior no ano passado, de acordo com dados do Ministério da Economia. O embarque de soja, principal produto de exportação em valores, foi 13% maior que em 2019, total de 83 milhões de toneladas.
O minério de ferro, que com a soja e o petróleo formam o trio de produtos que lideram a pauta de exportações do País, teve redução de 2% no volume embarcado, ainda como consequência do desastre de Brumadinho. A receita de exportações, contudo, subiu 14,3%, na comparação anual, favorecida pela elevação de 16,7% no preço, como efeito da menor produção pela Vale.
As exportações de petróleo em 2020 atingiram 70,6 milhões de toneladas, alta de 18,5% na comparação com 2019. Apesar de aumento na quantidade exportada, o faturamento com os embarques recuou quase 19%, para US$ 19,5 bilhões, por causa da queda dos preços do barril do petróleo causada pelas incertezas com a crise do coronavírus.
Pandemia prejudica, mas vacinação dá alento
A alta das commodities em 2021, depois de um 2020 também positivo, apesar da crise global causa pela pandemia, é vista com redobrado otimismo porque, desta vez, o cenário é diferente do ano passado. A pandemia continua, mas agora existe vacina e o processo de imunização avança, principalmente nos países centrais, acenando com retomada.
Jennie Li, estrategista de Ações da XP Investimentos, diz que dados apontam para uma recuperação econômica global, puxada por uma demanda forte de China e Estados Unidos, países que lideram a retomada global de atividade pós-corona. “A expectativa é positiva porque a vacinação contra a covid-19 está avançada nos Estados Unidos e a China cresceu 18,3% no primeiro trimestre”, aponta Jennie. “A demanda por commodities não só aumentou, como continua muito forte.”
Assim como existe a chamada tempestade perfeita, uma combinação de fatores negativos que, em cenário macro, podem colocar a economia de um país em parafuso, as exportadoras surfam no momento em um quadro de bonança perfeita de variáveis positivas: alta na demanda e preço de commodities e valorização do dólar perante o real.
As exportadoras se beneficiam com o preço mais alto das commodities e também com o dólar valorizado frente ao real, avalia Jennie. “O real acumula uma desvalorização de 5,7% no ano, até hoje (sexta-feira, 24), e é uma das moedas mais desvalorizadas dentre as de emergentes.” Com o real depreciado, o exportador recebe mais reais por dólar obtido em suas vendas ao exterior.
“A China, carro-chefe da demanda por commodities (minério de ferro, petróleo, produtos agrícolas, proteína animal), em perspectiva de retomada de atividade mais forte, e câmbio real depreciado (real desvalorizado) compõem um cenário ideal para o exportador, beneficiado por uma geração de caixa mais forte”, reforça Romero Oliveira, head de Renda Variável da Valor Investimentos.
A demanda por minério de ferro beneficia companhias exportadoras como a Vale, Usiminas, Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), Gerdau; no setor de petróleo, a Petrobrás e todas as empresas que têm correlação com commodities porque a matéria-prima é derivada do petróleo, como Enauta Participações, PetroRio, Braskem, Unipar, Cristal; celulose, Klabin S/A, Suzano; proteína animal, JBS, Marfrig, Minerva, São Martinho, Biosev.
Ações de exportadoras dão suporte do Ibovespa
O cenário positivo para as commodities reflete-se na bolsa de valores, porque as empresas exportadoras têm acentuada participação no Ibovespa (Índice Bovespa, principal referência da Bolsa de Valores de São Paulo, a B3).
O grande responsável pela sustentação da bolsa de valores no patamar de 120 mil pontos, de acordo com o executivo de renda variável da Valor Investimentos, são as exportadoras. Dividem a principal carteira da B3, em destaque, com as ações de estatais e de bancos.
Dois segmentos que estão claudicando no mercado de ações. Um menos, outro mais. Os papeis das estatais estão mal das pernas por causa do aumento de risco político, acentuado nesta virada de ano – interferências do governo Bolsonaro na direção do Banco do Brasil e da Petrobrás fortaleceram o grau de incerteza nos investidores. As ações da Petrobrás são as únicas entre as exportadoras de commodities com variação negativa na B3 no ano, até agora.
Outro setor de forte presença no Ibovespa, o de bancos, passou por recuperação em março, mas os resultados negativos nos dois primeiros meses prejudicaram o desempenho da bolsa de valores. Não obstante a exuberância performática das empresas exportadoras de commodities, os resultados opacos dos bancos e negativo da Petrobrás freou o Ibovespa, que acumulou valorização residual de 0,30 no ano, até 22 de abril.
Até onde chega a alta das commodities
O boom das commodities tende a continuar nos próximos 12 meses, pelo menos, prevê a estrategista de Ações da XP, principalmente por causa da demanda reprimida. “O setor de commodities faz parte de segmentos considerados cíclicos, que dependem do estado da economia.”
Nada indica, no momento, uma reversão no movimento de demanda por commodities em geral, pela China, e pela proteína animal, sobretudo pelos Estados Unidos, duas maiores economias globais em ritmo de retomada do crescimento, destaca o executivo da Valor Investimentos. De mais a mais, afirma Oliveira, “todos os dados apontam para um cenário de recuperação mundial”.
Outro ponto comum, compartilhado por Jennie e Oliveira, é que as empresas que vendem ao exterior oferecem proteção contra as incertezas macroeconômicas domésticas. “O investidor está preocupado com uma série de questões internas, ligadas ao risco fiscal, à evolução da pandemia, às disputas políticas”, diz Oliveira, que vê nas ações de companhias exportadoras uma forma de se proteger contra essas inseguranças.
“É muito confortável se expor ao mercado global de recuperação econômica, abraçado a ações de empresas exportadoras, que, no fim das contas, podem gerar mais dividendos também”, comenta Oliveira.
A estrategista de Ações da XP reconhece que o cenário interno está recheado de desafios e dificuldades, no curto prazo, mas convida o investidor a olhar também para o médio e, sobretudo, o longo prazo. Para ela, se os fundamentos apontam que a empresa tem motivos para crescer, o investidor não pode prender-se apenas a condições de curto prazo para tomar as decisões de investimento. “É preciso ver, analisar quais são os fundamentos da empresa, o que ela projeta para o futuro. O vaivém das cotações no dia-a-dia do mercado é a expressão de um sentimento, as emoções momentâneas do investidor.”
Perspectiva favorável não dispensa cautela com riscos
Demanda forte, preços em alta e dólar valorizado formam uma trinca de fatores que jogam em favor das commodities, dos exportadores e dos investidores que apostam nas ações dessas companhias. Algum risco que possa vir a atrapalhar essa trajetória aparentemente segura?
Risco, existe, diz Oliveira, da Valor Investimentos. Ele aponta dois. “Um é se por algum motivo o mundo deixar de crescer o que se espera” – e frustrar as expectativas otimistas. “Outro seria uma apreciação do real. Pode acontecer, se o governo conseguir avançar as reformas econômicas, que aliviem o estresse da tensão fiscal e derrubem o dólar.”