André Perfeito: ‘Não foi só o BC que errou. Nós, economistas, também’
Para André Perfeito, economista-chefe da corretora Necton, o Brasil está preso em uma estranha armadilha, gerada pela pandemia: uma matriz econômica de impactos de longo prazo,…
Para André Perfeito, economista-chefe da corretora Necton, o Brasil está preso em uma estranha armadilha, gerada pela pandemia: uma matriz econômica de impactos de longo prazo, atividade paralisada há muitos anos, o aumento súbito no preço das commodities e, mais recentemente, o repique de inflação.
"Eu estou com dó do Bolsonaro", diz, enfatizando o que considera uma condução equivocada da política monetária durante a atual crise. "Não foi só o Banco Central que errou, não. Foi também por culpa dos próprios economistas. A gente estava pensando: 'não, não vai dar inflação, o câmbio vai cair'. Ou: 'estamos exportando, o dólar vai enfraquecer'. Eu acho que a sociedade brasileira colocou muita coisa no colo do Banco Central", diz o economista, que concedeu entrevista para a Mais Retorno, veiculada na íntegra pelo podcast Retorno Cast.
Ao contrário dos recentes pronunciamentos do presidente do BC, Roberto Campos Neto, e de Fabio Kanczuk, diretor de Política Econômica da instituição, Perfeito espera que a próxima reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) trará novidades.
Campos Neto e Kanczuk garantiram, em 'lives' realizadas na semana passada, que a próxima reunião do Copom, nos dias 4 e 5 de maio, vai elevar a taxa em 0,75%, "a menos que algo muito diferente aconteça".
"O Banco Central está falando que não vai subir. Só que, como eu acho que ele (o Banco Central) acha outra coisa, na verdade, eu acho que ele vai mudar de opinião também", afirma o economista.
Leia a entrevista abaixo:
Mais Retorno - Como você tem visto a dinâmica da inflação? O que podemos esperar para os próximos meses?
André Perfeito - O IGP-M tem sido um transtorno. Em março, ele subiu em 12 meses nada menos que 31%. A gente tem visto uma dinâmica de preço muito ruim no índice geral por conta muito dos IPAs, os preço de atacado, que tem 60% do peso do IGP-M. Por conta do dólar, sem dúvida nenhuma tem várias questões que a gente pode discutir sobre porque a moeda brasileira foi tão mal contra a moeda norte-americana ao longo dos últimos períodos. Mas também porque a gente tem visto um super ciclo de commodity no mundo.
Há uma leitura positiva a respeito de atividade global. A projeção do FMI para a China esse ano é de 8% de crescimento. E também tem os Estados Unidos. Joe Biden deve colocar muito dinheiro lá. Já colocou US$ 1.9 tri, deve colocar mais US$ 2 trilhões ou US$ 3 trilhões. Estamos falando de três vezes e meio o PIB do Brasil só nos Estados Unidos. Isso gera uma leitura boa para os Estados Unidos, que gera uma leitura boa de economia para o mundo, e aí (o preço da commodity) vai para cima.
MR - Mas quando sobem os preços das commodities, o Brasil, que é exportador, não deveria ver sua moeda apreciada?
Perfeito - Podem ser essas coisas estranhas que acontecem quando tudo fica muito confuso. Existe um nexo causal entre um fluxo de dinheiro que entra no País. Se é verdade que o Brasil exporta commodities, quer dizer que temos uma balança comercial forte. Tendo uma balança comercial forte, implica dizer que entra dólar. Entrando dólar, quer dizer que existe uma demanda maior por reais. Logo, o real fica forte, o dólar fica fraco. Então, como assim está acontecendo isso? Por que isso está acontecendo?
A gente tem que olhar as transações correntes como um todo. Não só a balança comercial. A balança comercial é parte das transações correntes. E têm outros fluxos que talvez não estejam muito bem para Brasil. Na época do Lula, que teve um momento bom do commodity, o momento era bom para o País (como um todo). A ortodoxa mais ortodoxa diz: "Ah, o Brasil cresceu (no governo Lula) por causa de commodity'. Não é bem verdade. Existiam outros fluxos (de investimento) que vinham para cá. Hoje, não, é só commodity. E o real está ficando fraco.
MR - Você enxerga que em algum momento essa questão do nosso estoque de produção, a nossa capacidade ociosa, terá capacidade de reequilibrar um pouco a inflação. A gente não vê níveis absurdos de produção que justifiquem uma taxa de juros a 6%, 7% ao ano.
Perfeito - Eu sou da turma dos 6% (de taxa de juros ao ano). O Banco Central está falando que não vai subir. Só que, como eu acho que ele (o Banco Central) acha outra coisa, na verdade, eu acho que ele vai mudar de opinião também. A taxa de juros é ajustada pelo risco. Uma conta de padeiro que me ajuda bastante: pego a taxa Selic, subtraio do CVS, que é o risco percebido. Quando você ajusta a nossa taxa de juros pelo risco, e não pela inflação, vê que ela estava negativa até antes de ontem. Agora, ela está em zero. Assim, a gente não vai atrair dinheiro. Outra coisa: em maio, que vai ter a próxima reunião (do Copom), a inflação esperada em 12 meses, não é por mim, mas pelas projeções dos top five, estará rodando em 7,86%. Eu quero ver o BC vir aqui e falar: 'não, vou subir menos'. Não tem como.
MR - E sobre a ociosidade…
Perfeito - Sobre ociosidade, no ano passado, eu caí nesse erro também. Com uma ociosidade desse tamanho, demanda fraca, não vai dar tanta inflação. não era possível ou razoável supor. Mas uma hora eu percebi o que é uma coisa meio óbvia também. Se as pessoas soubessem como são feitas salsichas e indicadores econômicos, elas tomariam mais cuidado com indicadores econômicos do que com a salsicha (risos).
Por que a ociosidade está elevada? Porque o empresário coloca lá: 'tenho um R$ 1 milhão em bens de capital. Aí ele mete uma taxa de depreciação de 30%, mas quem disse que aquela máquina está funcionando efetivamente? Quem disse que aquela empresa existe ainda? Então, você vê uma ociosidade elevada, mas o que a gente viu foi uma destruição de empresas como nunca se viu no Brasil.
MR - E quanto ao câmbio, qual a faixa de cotação de dólar que acreditam ajustada?
Perfeito - Eu estou com (dólar cotado a) R$ 5,70 no final do ano. A conta, como eu disse, é a taxa de juros ajustada por risco. Se a nossa taxa de juros estiver baixa, vai continuar depreciando o real. Isso de um lado. E, de outro: eu acho que o risco tende a continuar subindo. E aí cabe talvez uma discussão um pouquinho mais longa só para a gente entender a minha preocupação sobre o que a gente está vivendo hoje em dia.
Eu acho que a gente está em uma baita de uma sinuca de bico. Qual que é o problema que está na mesa agora? O Paulo Guedes é um homem liberal. Se ele é um homem liberal, ele é um economista do lado da oferta e não da demanda. Então, qual é a ideia do Paulo Guedes? Ele quer fazer um ajuste nas contas públicas, de tal sorte que o gasto caia. Na hora em que o gasto cai, você tem um superávit fiscal, os juros caem. Na hora em que os juros caem, o empresário investe. Na hora em que o empresário investe, a economia cresce. E na hora em que a economia cresce, todos seremos felizes. Então, o que o Paulo Guedes está fazendo, do jeito dele, é fazendo o que um economista liberal faz, que é uma política do lado da demanda. E tem a ver com ajuste que necessariamente é de longo prazo.
Economistas liberais são muito preocupados com o longo prazo. Então, todas as medidas que ele toma têm efeitos de longuíssimo prazo. O Paulo Guedes não age no alarde da macroeconomia, mas sim no silêncio da microeconomia. Ele quer mexer nessas coisinhas. O problema é que isso daí demora por definição.
MR - Pelo que se vê até agora, o Paulo Guedes é tudo isso no discurso…
Perfeito - Mas eu fico imaginando o seguinte: se tivesse qualquer outro ministro lá, aí que ia ser um caos. A gente gosta de bater no Paulo Guedes, a gente aqui da Faria Lima. Mas se não fosse ele, seria um Deus nos acuda.
O Paulo Guedes propõe um ajuste de longo prazo. Ele faz isso para os juros caírem. Só que não adianta nada ter a taxa de juros no lugar certo e a economia no lugar errado. O empresário não investe porque os juros caíram. Os juros baixos são a condição necessária, mas não é suficiente. Se não tem demanda, desculpa, a taxa de juros pode ser menos três. Se eu achar que ao investidor eu vou perder menos cinco, eu não vou investir. Então a gente está nesse nó.
MR - O Brasil errou na condução da política monetária?
Perfeito - Eu acho que o Banco Central está, como se diz no jargão, atrás da curva (de juros). Não foi só o Banco Central que errou, não. Foi também por culpa dos próprios economistas. A gente estava pensando: 'não, não vai dar inflação, o câmbio vai cair'. Ou: 'estamos exportando, o dólar vai enfraquecer'. Eu acho que a sociedade brasileira colocou muita coisa no colo do Banco Central. Não adianta ter a taxa de juro no lugar certo e a economia no lugar errado. E aí, economistas liberais, ortodoxos e heterodoxos falaram a mesma bobagem. Baixa a taxa de juros que vai funcionar. Não é verdade. Juros é como corda: serve para puxar, mas não serve para empurrar.
O (economista norte-americano Milton) Friedman falava: 'você pode levar o cavalo na beira do Rio, mas não pode forçá-lo a beber água. Com essa ideia, se eu baixar a taxa de juro, ou seja, levar o cavalo até a beira do rio, não quer dizer que ele vai beber, não é? Eu acho que o BC errou porque é muita idiotice levar um cavalo à beira do rio se ele não tá com sede. Eu sei que eu vou apanhar de vários economistas por ter falado isso, mas eu concordo com o que eu falei agora. Não existe hipótese de a taxa de juros resolver tudo. E aí o BC ficou em uma situação difícil porque a sociedade inteira olhou para ele e falou: 'pelo amor de deus, você não vai me ferrar agora'.
Agora, vai ter que subir mais forte, porque ele, o BC, está atrás da curva de juros. Eu prefiro que ele suba logo, que dê uma porrada logo nisso daí. Sobe 100 pontos, 150 pontos. Mas, se o Banco Central for indo devagar, qual é a chance disso não dar problema?
Só um exemplo rápido. No final do mês de março, no dia 31, foi feito o pronunciamento a respeito do auxílio emergencial. Quatro parcelas de, em média R$ 250. São quatro meses: abril, maio, junho, julho. Quando terminar o auxílio emergencial no mês de julho, a inflação vai estar em quase 8% (em 12 meses). Qual é a chance disso não dar problema? Não precisa ser vidente. Imagina que você é presidente da República. Você está sentado no (Palácio da) Alvorada. Acabou auxílio emergencial, inflação a 8%, taxa selic subindo, PIB não decolando… Eu estou com dó do Bolsonaro. No bom sentindo. Não tô querendo sacanear o presidente, juro. Mas é uma situação dificílima. Como ele vai organizar isso eu não tenho a menor ideia.
Enquanto economista, eu, do lado dos meus clientes, tenho sugerido estratégias mais defensivas, compradas em volatilidade, estratégias mais cautelosas. A Bolsa pode esticar e chegar a 130 mil pontos? Sei lá, pode. Mas do ponto de vista macro, até por essa questão toda colocada, se os juros subir e eu estiver certo a respeito disso, estamos em um dilema. Mas aí é que está. O novo auxílio emergencial vai acabar em julho, e aí?
MR: Outro ponto é a questão do Orçamento…
Perfeito - Foi uma piada o que fizeram. Subestimaram despesas, colocaram gasto de emenda parlamentar para tirar de gasto obrigatório da pasta da Saúde no meio de uma pandemia. É o escárnio, é o horror. O problema do Brasil não é a falta de dinheiro, é a falta de plano. Cria-se a Regra do Teto de Gastos, uma piada. Não que, de repente, ela não pudesse existir. Mas a regra foi criada por (Michel) Temer, para não ser seguida pelo Temer. Não vai ser usada por Bolsonaro. E estão passando a regra para 2022, para quem sabe alguém usar. Se não era pra usar, então que não fizesse. Vamos voltar para a meta anterior, uma meta de superávit? Quando entra em uma meta de superávit, a gente tem que entrar numa discussão que é o seguinte: tem que cortar gastos.
A discussão no Brasil virou gasto. Tem que ter uma discussão a respeito de receita, sim, no Brasil. E, aí, me falam: 'nossa, você, da Faria Lima, vai falar isso?'. Sim, vou. Falar de taxar dividendos. A gente vai ter que discutir quem vai pagar essa conta. Um exemplo: no ano passado, Paulo Guedes liberou muito dinheiro na economia. De fato, hoje ele está com a situação fiscal tenebrosa. Somente de auxílio emergencial, foram R$ 350 bilhões, mais ou menos uns 4,5% do PIB que jogaram de helicóptero. O pessoal fala: 'pô, vai gastar esse dinheiro?" Se não gastassem, não estaríamos discustindo queda no PIB do ano passado de 4%. Estaríamos discutindo uma queda de 8%.
MR - Falando um pouco com o investidor, como ele pode trabalhar todas essas questões em seu portifólio de aplicações?
Perfeito - Vou colocar da seguinte forma. Ninguém joga futebol sabendo só chutar para frente. Tem que saber fazer coisas diferentes. É necessário que investidores em renda variável saibam se proteger. E aí você tem uma série de produtos, que são as opções, que são derivativos financeiros, que são absolutamente fundamentais. Não é ciência de foguete. Às vezes a pessoa vê isso e fica morrendo de medo. Quer ver um exemplo? Eu já vi um monte de cliente com R$ 2 milhões na Bolsa. Bom, se o sujeito tem uma casa de R$ 2 milhões, ele acha absolutamente natural e até ficaria preocupado consigo mesmo se não fizesse um seguro de incêndio, de assalto, de roubo. E aí ele faz. O investidor com R$ 2 milhões na Bolsa pode fazer um seguro, que é comprar uma PUT, um seguro para esse patrimônio ele acha caro. Investidor tem que deixar de ser ingênuo, de ter medo de produto de derivativo.
Outra coisa é o seguinte: se eu tiver certo sobre as minhas hipóteses, não estou querendo dizer que a Bolsa vai despencar. Não é isso. Mas eu estou dizendo que vai continuar um clima de mal estar. Isso significa dizer que a volatividade pode estar elevada. Então, vale a pena algumas estratégias em que se proteja, ou que se beneficie até de volatividade. Isso é uma outra estratégia possível.
Existe ainda um terceiro ponto. Os EUA não estão colocando US$ 2 trilhões, depois mais US$ 3 trilhões na economia? Coloca um pouco de ação americana no portifólio. De novo, não é que você vai acertar na mosca, voando, mas em linhas gerais é isso. / Renato Jakitas, Felipe Boeira de Medeiros e Luiz Felipe Vieira